Em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus, vivemos uma crise sem precedentes. A necessidade de isolamento social impôs uma mudança na rotina de todas. Apesar da alteração do ritmo da vida das membras da comunidade estudantil, persiste o pensamento de que é possível manter a produtividade no ensino dentro da USP através de atividades remotas. Ignora-se, assim, a dificuldade ao acesso que atinge parte do corpo discente, a ameaça ao sustento econômico das famílias das alunas e a fragilização de suas condições psíquicas decorrentes da quarentena.
As desigualdades de gênero, raça e classe se aprofundam no contexto da pandemia. Podemos observar isso pelo aumento do número de casos de violência doméstica e pela dificuldade das trabalhadoras informais e precarizadas de continuarem a sustentar suas famílias sem as colocar em risco.
Em um momento tão difícil quanto o atual, não podemos adotar medidas que agravam o abismo entre estudantes de perfis socioeconômicos diferentes. Acreditamos em uma educação inclusiva e de qualidade a todas. No entanto, a modalidade à distância que está sendo proposta para mitigar os efeitos da pandemia não é capaz nem de atender ao conjunto total dos estudantes e tampouco corresponde ao padrão de qualidade esperado da USP.
O ensino à distância pressupõe planejamento anterior ao seu oferecimento, com profissionais e estudantes qualificados para utilizar das ferramentas tecnológicas necessárias. Devido à urgência da adaptação das disciplinas para a modalidade à distância, esse planejamento não foi feito, fator que debilita ainda mais a qualidade das aulas.
Parte das docentes e discentes não possui familiaridade com as ferramentas necessárias para operacionalizar o ead. O resultado do Censo dos/das estudantes do curso de Ciências Sociais da USP - 2016 evidencia isso. De acordo com relatório divulgado pelo PET - Ciências Sociais, 50% do corpo estudantil disse sentir alguma falta de orientação para o uso de ferramentas tecnológicas de ensino. No conjunto de estudantes PPI a porcentagem é ainda maior, chegando a 66%.
Existem também as alunas que possuem limitações ao acesso à internet, fator que as impede de darem continuidade às disciplinas. Para esses casos, foi comunicada a possibilidade de fornecer internet por meio de chips de celular e modens, em e-mail enviado pelo reitor no dia 06/04/2020. Essa proposta, no entanto, não contempla estudantes que vivem em áreas rurais ou que deixaram o estado de São Paulo, epicentro do COVID-19 no Brasil. Também não é uma solução definitiva pelo fato de dados móveis serem geralmente limitados e/ou possuírem uma baixa velocidade de conexão, dificultando a participação em videoconferências e a reprodução de vídeo-aulas.
Outro fator importante a ser considerado é a pressão psicológica causada pela necessidade de se manter produtivo. Tudo está fora da normalidade, no entanto, há docentes cobrando presença, entrega de trabalhos e provas online como se não estivéssemos em um contexto pandêmico. Essa pressão sobre as alunas é extremamente nociva, uma vez que estão sujeitas não só ao estresse ordinário do ensino superior, mas também ao adoecimento do corpo e da mente resultantes da pandemia e do isolamento social.
Todos os fatores citados também impactam na educação básica. Enquanto algumas poucas escolas possuem condição de manter aulas e preparativos para os vestibulares em dia, para a maior parte delas a realidade é outra, principalmente na educação pública. A manutenção do calendário do ENEM e dos vestibulares atinge principalmente as alunas que já se encontram em situação de vulnerabilidade, as distanciando do ensino superior e da educação formal.
Diante do exposto, nós do Sociologia em Movimento nos posicionamos contra o ensino à distância e pedimos o fim da obrigatoriedade de presença e avaliação durante o isolamento social. Pedimos também a reorganização do calendário da universidade e o adiamento do ENEM e dos vestibulares, de forma a minimizar as consequências da pandemia tanto no ingresso das novas alunas quanto na graduação das universitárias já matriculadas.
O texto está intencionalmente no grau feminino, considere isso uma escolha política e não um erro de gramática.
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