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#2 - Paulo Freire destruiu a educação brasileira?



Você sabe quem foi Paulo Freire? Neste episódio iremos abordar um pouco sobre a vida do pedagogo e sua trajetória na educação brasileira. Com a ajuda da Lisete Arelaro, professora da Faculdade de Educação da USP, e que esteve presente na gestão de Paulo Freire na secretaria da educação do município de São Paulo durante o mandato de Luiza Erundina, traremos de perto um relato de experiência de quem conviveu com o pensador da educação. Além disso, também trouxemos o Sérgio Máximo, professor do EJA, que nos apresentará vários pontos estruturais da Educação para Jovens e Adultos e falará um pouco de sua experiência com a evasão escolar e os desafios da educação na fase adulta da vida. Já parou para pensar o que move uma pessoa a retornar aos estudos? Vamos juntas refletir sobre isso!

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Transcrição do Episódio #2:


Toca a melodia de Amor Chiquito, de Quincas Moreira.


[Sofia]

Oi, eu sou a Sofia.


[Julia]

Eu sou a Júlia.


[Sofia e Julia falam juntas]

E esse é o Sociologia em Podcast.


[Julia]

Um podcast dedicado à educação e ao ensino de sociologia.


Segue tocando Amor Chiquito, de Quincas Moreira.


[Julia]

Energúmeno.


[Sofia]

Feio, fraco e não tem resultado positivo.


[Julia]

Fracasso.


[Sofia]

Vodu sem comprovação científica.


[Julia]

Patrono da educação brasileira.


[Sofia]

Terceiro teórico mais citado em artigos acadêmicos no mundo.


[Julia]

Comunista.


[Sofia]

Revolucionário. Igualitário e justo.


[Julia]

Paulo Freire, o educador pernambucano a quem todas essas qualidades já foram atribuídas, é no mínimo um personagem polêmico. Torna-se famoso em 1963 quando alfabetiza 300 adultos em 45 dias a partir do que ele chama de Educação Libertadora. Em 1964, período da ditadura civil-militar, Paulo Freire foi exilado. Nessa época ele viajou o mundo levando suas práticas com ele, trabalhou no Chile, na Suíça, atuou também junto a Moçambique e Guiné-Bissau. Voltou para o Brasil com a anistia em 79 quando já era um educador conhecido mundialmente. E aqui ficou até sua morte em 1997.


[Sofia]

Mas afinal, Paulo Freire destruiu a educação brasileira? Essa pergunta, para nós do Sociologia em Podcast, não faz tanto sentido assim. Discutir se Paulo Freire destruiu ou não a educação pressupõe que antes dele a educação brasileira era bacana, sem problemas a serem resolvidos. E não acreditamos nisso. Também não pretendemos responder se a educação está, foi, ou se será destruída... então já deixamos claro que não vamos responder a pergunta que dá título a esse episódio, vamos apenas usar ela como uma provocação inicial. É isso mesmo pessoal, vocês caíram em mais um clickbait… mas não vai embora não, que nesse e no próximo episódio vamos conversar sobre essas duas coisas: a educação pública no Brasil e Paulo Freire.


[Julia]

Pra isso, hoje convidamos duas pessoas: o Sérgio e a Lisete. Sérgio atua na rede pública da cidade de Mauá, na região metropolitana de São Paulo, e vai conversar conosco sobre a educação de jovens e adultos, um tema caro a Paulo Freire. Lisete é professora da Faculdade de Educação da USP e tem uma experiência de 52 anos na educação. Hoje ela vai falar para nós um pouco sobre como foi trabalhar na gestão de Paulo Freire na Secretaria da Educação do município de São Paulo, durante o mandato de Luiza Erundina de 89 a 93. Assim vamos aprender um pouco mais sobre o que realmente Paulo Freire fez para a educação brasileira.


Toca a melodia de Bongo Madness, de Quincas Moreira.


[Sofia]

Seja muito bem vinda, Lisete.


[Lisete]

Ô, muito obrigada Sofia!

O Paulo Freire, pra vocês saberem, era um homem absolutamente gentil. Eu nunca vi o Paulo Freire pegar um livro assim e ‘pá’ em cima da mesa. Nunca vi ele perder a paciência. Ele era muito bem humorado, fazia piadinhas, entendeu? Eu confesso pra vocês que pra mim foi um privilégio. Vocês podem imaginar… você já tinha lido, e de repente o ser ali todo dia com você, entendeu?. Ele brincava que eu era a mão esquerda dele. Eu sou uma mistura de português com italiano, mas eu sou mais italiana… então como vocês vêem eu falo pra chuchu, mexo as mãos e etc. E o Paulo Freire às vezes brincava, falava ‘menas, Lisete, menas’ imitando o Lula daquela época. Só pra vocês entenderem como é que as coisas funcionavam.

Nesse período da anistia e de 80 pra cá, de 79 exatamente, é importante que vocês saibam que apesar dos economistas dizerem que 80 foi uma década perdida, pra nós da área de educação foi uma década muito importante. Mais importante do que as que vivemos até hoje porque foi a reconstrução dos nossos movimentos. Todos os movimentos, quer dizer, veja bem… tudo bem, se criou a CUT, se criou o PT, se criou por exemplo a CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - que nós temos hoje, não era um sindicato propriamente, não era uma confederação. Hoje ela tem dois milhões de professores sócios. É outra coisa. A ANPED, que vocês vão participar da ANPOCS nas Ciências Sociais… elas eram as associações nacionais das diferentes áreas e tinham sido criadas pelo governo e portanto, eram despolitizados, faziam as reuniões, era tudo direitinho. E depois de 80 elas ganham uma independência. Nós hoje nos organizamos, com todos os equívocos, mas nós nos organizamos conforme a gente quer se organizar, do jeito que a gente quer se organizar, né? E em todas as áreas isso aconteceu. Foi um ano que a gente começou a fazer as reuniões nacionais de novo. A própria SBPC, que sempre foi meio morna né, até hoje nós não conseguimos dar um calor pra ela, toda a atenção necessária. Mas, enfim, ela também ganhou, entrou um pouco, participou conosco sem dúvida nenhuma de todo o processo, inclusive o Constituinte, que foi uma situação que eu acho que é importante vocês saberem. Não bastava mais simplesmente o coronel telefonar lá pro amigo dele e falar ‘escreve isso aí na Constituição que isso me interessa’. Ele ia ter que criar os movimentos. Tanto que a direita, e hoje o movimento aí do agrotóxico tiveram também que juntar gente, fazer passeata em Brasília, porque não era tão simples assim, né? Quer dizer, tinha que nos enfrentar. Foi interessante, com todos os equívocos. Só pra dizer pra vocês que foi uma década muito importante. E pra nós da área de Educação, sem dúvida nenhuma, era reunião em cima de reunião nacional, pra realmente construir isso que hoje nós chamamos com naturalidade, o que é a ideia de uma qualidade que seja uma qualidade social, socialmente referenciada, significa que conteúdos, que dinâmica você precisa pra ser significativo pro povo brasileiro.


[Sofia]

A Lisete também nos contou sobre como Paulo Freire articula a relação entre centros universitários e professores da rede.


[Lisete]

Vocês não tenham dúvida: todo professor da rede, com poucas exceções, tem um projetinho secreto que ele guarda na gaveta, sabe? Só esperando uma oportunidade pra falar ‘olha, que queria fazer uma sugestão’. Mas ele já tá ali com o projetinho dele. Então fomos dizer pras escolas que elas poderiam propor o projeto. Nós fizemos um levantamento que envolveu professor, alunos e pais e tem um documento muito importante, muito bonitinho sobre, que era o seguinte: ‘o que você mais gosta na sua escola?’, ‘o que você não gosta de jeito nenhum?’ e ‘o que você mudaria pra ela ficar melhor?’. A isso responderam professores, alunos e pais e teve coisa muito interessante. Teve também os céticos que escreveram aquilo lá: mais salário e enquanto não pagar mais salário não muda nada, tudo essa história. Mas de fato foram escolhidas numa primeira leva 100 escolas, 100 com ‘c’ de cebola. Pra exatamente fazer essa experimentação. E eu quero dizer pra vocês que tinha muita coisa interessante, que contou com a assistência técnica dessas pessoas que estavam nos anais e que o Paulo Freire, e aí só o Paulo Freire porque de lá pra cá nunca mais aconteceu isso, mas o Paulo Freire conseguiu uma coisa porque era o Paulo Freire: na PUC, na USP, na Unicamp, na Unesp… ele conseguiu que professores, eu vou chamar de progressistas ou democratas, aderissem a um processo de formação dos professores da rede saindo dos seus ninhos e indo exatamente para os bairros. Todos os que eram titulares de esquerda, os com medalinha e os sem medalinha foram, não para contar a pesquisa que estavam fazendo (que em geral é isso que a gente faz nos cursos de extensão) mas para perguntar pra rede: ‘quais são as dificuldades que vocês estão sentindo?’ em ciências, em matemática, em português, em história, em geografia. E esse processo de formação foi considerado até hoje, e aí não é um problema realmente de personalismo, mas nós temos teses defendidas, dissertações, que mostram essa importância. Foi a primeira vez que, objetivamente pra falar de nós, que os professores da USP levantaram sua bundinha da cadeira e não foram lá para impor os seus projetos, mesmo que eles sejam projetos importantíssimos. Mas era pra ouvir a rede e tentar ajudá-los. Então ia desde perguntas assim: ’como é que eu ensino pra que que existe raiz cúbica?’ e aí você descobre que o professor não sabia como é que ensina quem não sabe a razão daquilo, até pra outras questões de baixa formação em história. Por exemplo… as pessoas falavam cada calamidade que ‘’benza a Deus’’. E por isso muitas vezes, por que que o Paulo Freire fez isso? Porque ele sabia e ele sentiu na rede que às vezes o professor queria que o aluno participasse mas os professores tinham medo porque os alunos podiam fazer perguntas inteligentes que ele não soubesse responder. E como nós temos ‘ó, o professor tem que saber tudo e tal’ é difícil pro professor dizer ‘olha, interessante pergunta, vamos pesquisar?’ algo do gênero. Por exemplo eu confesso pra vocês, eu tava numa sala e me lembro até hoje de um professor, negro, de história… que o aluno pergunta: ‘a independência foi antes ou depois do movimento nosso?’ e o professor não sabia e logicamente ele olhava desesperado pra mim pra ver se eu dava a resposta. É isso que eu quero dizer. Então muitas vezes o silêncio que o professor obriga à aula é o que ele sabe, e não é admitir que há várias interpretações e que ele pode mudar de ponto de vista e que ele pode aprender outras coisas com vocês. Admitir que os alunos ensinam os professores possibilita um ensino que é muito raro. Então essas escolas foram escolhidas e nós terminamos a gestão praticamente com um número quase total de escolas aderindo e quero dizer pra vocês que com muitas bobagens, por exemplo: interdisciplinaridade é difícil de fazer, não é simples. Aqui a própria Escola de Aplicação nossa tenta algumas atividades que às vezes é a viagem que é interdisciplinar. São situações de interdisciplinaridade, não é um modelo de interdisciplinaridade. Por exemplo, eu lembro que cheguei numa escola. Qual era o tema gerador? Descobrir o tema gerador já era uma aventura pra eles porque eles nunca tinham feito isso. Como juntar numa coisa só, numa frase, numa palavra exatamente todo o conteúdo aqui dado. E aí quando nós chegamos na escola a diretora tinha definido ‘café com leite’ e você falava ‘mas café com leite?’. Café da manhã, na verdade. E aí descobrimos isso, que ela achava que um dos problemas que eles tinham era a relação complexa entre professor e aluno e fazer um café coletivo (professores tomando um café com os alunos logo de manhã e depois no almoço e no jantar) tinha trazido uma outra atmosfera pra escola. Não tinha nada de tema gerador, mas eles tinham certeza. Vocês entendem? Paulo Freire não se irritava com isso. Falava ‘ótimo, vamos pra fase dois, excelente essa aqui’. Era um pouco assim, e sempre tentava também aproveitar aquilo que a rede apresentava. Tivemos excelentes também, tô contando as que falharam mas tem excelentes atividades. Vou falar pra vocês que tá nesse momento aqui a Padre José Pegoraro lá no Grajaú. Eles inventaram um tema gerador, eles são freireanos, chamado ‘Um país chamado Grajaú’ e estão fazendo toda a pesquisa que o processo, (que a gente pode até discutir isso uma segunda vez, numa próxima vez) todo o processo de pesquisa que o ‘’método Paulo Freire’’ chama e exige com os alunos e uma parte significativa dos professores. Só pra dizer que Paulo Freire não morreu, suas ideias estão aí e ela é mobilizadora pro processo acima de tudo de resistência de uma escola libertadora, que seja libertadora pra todos nós.


Toca a melodia de Bongo Madness, de Quincas Moreira.


[Sérgio]

Eu sou o Sérgio, sou professor de Química e Ciências da rede privada e da rede pública há dezenove anos. Em setembro, no dia 5 de setembro, eu completei dezenove anos de docência efetiva. E atualmente eu leciono no Ensino Fundamental II e leciono no período noturno pro EJA - Educação de Jovens e Adultos.


[Julia]

Legal. Nossa! São dezenove anos, é basicamente a minha idade. Eu tenho 21. É uma vida enquanto professor. E aí a primeira pergunta que a gente tem aqui no roteiro é muito clássica de início de conversa: O que é o EJA e como essa modalidade funciona?


[Sergio]

Bom, o EJA é uma modalidade de ensino voltada para aqueles alunos que por alguma circunstância da vida não teve oportunidade de frequentar o ensino regular. Então o EJA funciona de maneira mais acelerada. No Estado de São Paulo as escolas públicas de EJA são no período noturno, possuem cinco aulas diárias e as famosas séries que seriam no ensino regular, elas são fracionadas em termos. Então na prática seria você fazer dois anos regular em um ano de EJA. Então esse aluno acima da idade, que passou da idade do regular, ele tem a oportunidade de estar estudando fazendo seu ensino básico num tempo menor dentro dessa modalidade: EJA. Então por exemplo ele entra na quinta série, o aluno pra entrar na quinta série ele tem que tá, que é o famoso hoje sexto ano, pra ele entrar no sexto ano do EJA ele tem que tá com 15 anos ou mais pra ele conseguir cursar. E pra ele frequentar o ensino médio ele tem que ser maior dos 18 anos, aí ele consegue frequentar o ensino médio. Então o ensino médio regular que é em três anos ele faz em um ano e meio e o Ensino Fundamental II que é em quatro anos ele faz em dois anos. Então, claro, o conteúdo programático é mais reduzido, é adaptado, mas de uma maneira que ele consiga aprender as necessidades básicas pra ele ter uma boa interpretação de texto, uma boa interpretação de mundo e uma formação cidadã decente. Isso seria o teórico né? Seria o que o EJA tem a fornecer. Então ele é voltado pra classe trabalhadora.


[Julia]

Quais são as principais diferenças, que você sente, quando está lecionando para jovens e adultos, em comparação ao ensino regular?


[Sérgio]

É inegável que há inúmeras diferenças. Primeiro, é a sede de saber, eles têm uma necessidade imediata de querer aprender, por conta das defasagens que tiveram, eles estão em busca do que todo mundo sonha: uma condição melhor, um emprego melhor, uma ascensão melhor, que acreditam poder ter com a escola. Muitos estão lá para isso, buscando entrar em uma universidade, ou curso técnico, ou subir de cargo na empresa. Eles buscam isso, então, querem aprender algumas coisas.

E a maior dificuldade que a gente tem é, uma, o tempo, o tempo é muito curto, falamos que é um semestre, mas se formos contar são quatro meses de aula, tirando os feriados e finais de semana, dá quatro meses, mais ou menos. Uma outra dificuldade que a gente sente é o cansaço, são, geralmente, trabalhadores que acabam exercendo uma função de trabalho um pouco mais pesada, ou são mães ou pais de família, que exercem duplas, triplas, funções: precisam ser mães, donas de casa, para a mulher eu vejo que é um pouco pior essa situação. E tem outro problema, principalmente onde eu leciono, que são aqueles que construíram uma família muito cedo, sem estrutura, então, isso os atrapalha, eles precisam trabalhar bastante para conseguir o sustento dessa família e, às vezes, não têm condições, o esgotamento físico leva a um esgotamento mental muito grande. Eu percebo que, vai chegando dez horas da noite, ninguém tem condições de calcular alguma coisa, de interpretar, ou de sair de uma situação problema, então essas nuances acabam nos atrapalhando um pouco.


[Júlia]

Não imagino que tenha como falar em, por exemplo, taxa de analfabetismo, sem falar de desigualdade social. Eu não consigo entender quem fala de uma forma muito purista em alfabetizar jovens e adultos, sem ter essa dimensão da desigualdade social incluída.


[Sérgio]

Não, não tem como, né.


[Júlia]

Não sei se você concorda.


[Sérgio]

Concordo plenamente, assino embaixo. Não tem como. Se você quer ver isso, é só você se deslocar para as periferias, e aí nós estamos falando de periferia da onde? Do sertão do Piauí? Não, estamos falando de periferia de grandes cidades, São Paulo, tem inúmeras periferias próximas ao centro financeiro de São Paulo, que é a Avenida Paulista, onde você tem uma alta taxa de pessoas que não são alfabetizadas. Aí como você explica isso? Num lugar que passa todo o dinheiro de uma nação, praticamente todo o dinheiro da nação passa pela Avenida Paulista, os poderosos estão ali, inclusive o presidente passa por ali, e você tem uma parcela da população que não sabe ler, que não é letrada, não é alfabetizada de maneira básica. É um absurdo. E é isso que você falou, e quanto mais você se afasta dos grandes centros, pior é a situação.

E aí uma pessoa olha para você e fala: “o que você tem a ver com isso?”. Tem tudo a ver, se o cara não tem uma mínima leitura e interpretação do mundo, como é que eu vou explicar para o cara que a geladeira é uma reação de troca de calor, como é que eu vou explicar? Como eu vou explicar que atrás da geladeira está quente, mas dentro é gelado? Como eu vou explicar que a geladeira conserva os alimentos porque diminui a velocidade de agitação das moléculas? Então, eu acho que falta uma atividade maior dos professores, e no caso minha também, como professor de ciências, para fazer frente à essas nuances do novo milênio, dos últimos tempos, que são horríveis, veio para… não sei, eu vejo perspectiva, estou muito esperançoso, por pior que seja, viu Julia? Você pode até rir agora, como ele tá vendo esperança nessa merda, podre, como consegue? [risos] Mas eu acho assim, a molecada, como eu dou aula para a molecada do sexto ano, é uma geração também maravilhosa, é uma geração inteligentíssima, é uma geração dócil, fácil de lidar, é uma mistura de muito amor, com um ódio ponderado, na medida certa, criativa, espontânea. Então, eu acho que muita coisa vai melhorar com a geração que tá vindo agora.


[Julia]

Como você vê que a evasão escolar e a taxa de analfabetismo no Brasil podem ser superadas? E ao que você atribui essa persistência? Porque essa taxa de analfabetismo e evasão escolar são temas antigos, são problemas que nos acompanham já há muitas décadas, quando começa a época eleitoral e a gente vê esses assuntos pipocando, parece que é um replay de quatro anos atrás ou de dois anos atrás.


[Sérgio]

Eu vejo isso, é muito triste. Volto a dizer, no século vinte e um, a gente tá discutindo a roda, esses problemas que, por tempos estão aí, e nada se faz para solucionar. O analfabetismo e a evasão escolar estão muito ligadas à desigualdade social, né. Eu entendo isso como uma forma muito cruel de desigualdade social, as crianças, os jovens, estão cada vez mais sendo obrigados a complementar as rendas da família, então, esses jovens acabam indo trabalhar em subempregos, de maneiras praticamente escravas, para complementar a renda da família.

Um dado importante, eu tava assistindo esses dias aí, acho que foi na sexta-feira, o SPTV, e tava falando da nossa cidade, Mauá - eu moro em Ribeirão Pires, mas a minha vida inteira é Mauá - e eu tava vendo as propostas, mostrando os candidatos, e aí falou: a renda per capita é de três salários mínimos, eu acho que é o que o César Tralli falou, mas o salário médio dos cidadãos de Mauá é meio salário mínimo. Então, quer dizer que, se pegar todo o dinheiro e dividir para todo mundo, dá três salários mínimos, mas na realidade é cinquenta por cento… Não, corrigindo o que eu falei, ele falou: sessenta por cento dos trabalhadores recebem meio salário mínimo, a renda per capita é três salários, mas sessenta por cento dessa renda não chega nos trabalhadores, os trabalhadores ganham meio salário mínimo. Ou seja, tem gente que tá ganhando muito, e tem gente, muita gente, que tá ganhando pouco. Eu falei: pô, meio salário mínimo? E aí a gente não quer que esteja nesse estado que a gente está agora? Um monte de pessoas fazendo de tudo para sobreviver, vendendo tudo, qualquer coisa, se expondo no semáforo, pedindo dinheiro, correndo risco de ser atropelado, e etc. Cada vez mais o número de moradores de rua aumentando. Como é que a gente exige que essas pessoas mantenham os filhos na escola? Sendo que não há uma política pública que promova uma distribuição de renda mais adequada. Eu fico pensando nessas coisas, então, eu vejo assim, como a gente já falou, parece que já é um projeto isso, parece que é um projeto: exploração da miséria, porque quanto mais pessoas eu tiver sem formação, salários mais baixos eu vou poder oferecer. Parece que é isso, que a gente vê Uber com formação universitária, eu não tô desqualificando o Uber, não é isso, mas eu falo assim, o cara tem uma formação, se formou, é um professor, um advogado, um engenheiro, e está lá fazendo Uber. Eu tenho cada vez mais uma taxa de aposentado que com sua aposentadoria não consegue sobreviver. Então, parece que já é um projeto pronto, e eu não vejo nenhuma política de fato. Nós tivemos o problemas com a merenda escolar na gestão de dois prefeitos de partidos diferentes, tivemos problemas, um desviava e o outro superfaturava [risos]. Então, quer dizer, como que a gente vai melhorar, dar condições para que esses pais assegurem aos filhos que eles estudem, né? É muito complicado.

Eu, como professor de química, isso me angustia muito, eu fico muito angustiado com essa situação, porque o número de evasão é grande também no regular, mas no EJA chega a ser absurdo, Julia, o número de evasão no EJA é absurdo. Eu já tive sala no EJA de começar com quarenta e dois, quarenta e cinco, alunos e chegarem ao final do semestre com dezoito. É absurdo quando você vai investigar. Eu trabalho num grupo de professores do EJA que é muito bom e os professores correm atrás dos alunos, quando a gente vai investigar, desses que desistiram de estudar e se evadiram, noventa por cento é por motivo de emprego. O cara para de estudar porque, ou ele trocou de emprego, ou porque ele arrumou um trabalho, ou porque ele mudou de horário na empresa, e aí entre estudar e levar o pão para sua casa, é claro o que ele vai optar, né, não tem nem pergunta.


[Julia]

Quais são os caminhos que você entende que precisam ser tomados para que cada vez mais brasileiros tenham espaços nesses ambientes educativos, sejam acolhidos, que sejam ambientes de educação de qualidade, para concluir a formação da educação básica?


[Sérgio]

Eu acho que, primeiro, é importante que estados e municípios valorizam, principalmente, a formação de professores. Investir na base, acho que é fundamental, investir nas pré-escolas, nos professores, principalmente, de fundamental um, na educação infantil e fundamental um, que os salários são horríveis, são lamentáveis o salários desses professores, que precisam ter dupla, tripla, jornada para conseguir um salário que dê condições deles continuarem estudando, se aperfeiçoando, e manter o básico. Eu acho que primeiro a valorização. As políticas públicas educacionais também, ter políticas públicas que incentivem o aluno a estudar, promover a escola, não como um depósito de pessoas, mas sim como uma escola que ensine a pensar, uma escola sem muro, uma escola em que a pedagogia exercida seja libertária, na qual o aluno interprete o mundo em que vive de uma maneira mais sólida, mais real, não fantasiosa. Eu acredito muito nisso. E dar acesso à educação de fato. Então eu acredito que o governo deveria ouvir mais, principalmente, os professores.

A gestão do PSDBista que aí está há décadas, parece uma monarquia, faz anos que não se tem uma gestão que não seja do PSDB, já teria condições de ter feito excelentes trabalhos para a educação pública paulistana, e não é o que a gente, que está na periferia, vê. A gente vê cada vez mais as coisas… Falar que nao melhorou, melhorou bastante, do início que eu comecei até agora, melhorou, muitas coisas melhorou. A questão da merenda, qualidade melhorou, é ruim a merenda ainda? É ruim, mas melhorou. Antigamente era só um macarrão com salsicha, uma bolacha de água e sal, agora já tem uma comida um pouco melhor, uma refeição balanceada. Então, vem melhorando? Vem, mas a melhora é a passos lentos. Essas mudanças bruscas de filosofia de trabalho, então, progressão continuada, é legal a progressão continuada? É, mas deveria ter uma formação mais ampla, não jogado como foi na gestão Rose Neubauer, depois, Chalita. E aí fica isso, um concorda com isso, outro não concorda, Escola da Família era legal, bacana, aí tiraram, então não dá para entender bem, o que é bom no governo eles tiram, o que é ruim eles mantêm.

Eu acho que tinha que ter um olhar maior para o que o professor pensa, e como o professor imagina que seria a escola ideal para que seus alunos desenvolvam o conhecimento. Mas é muito difícil, eu vejo, num estado gigante como São Paulo, com tanta população, com políticas públicas elitistas do jeito que é, eu acho que fica cada vez mais difícil para quem é docente conseguir uma transformação. Não é impossivel, nao é impossivel, mas eu acredito que você sofre muito, você sofre muito querendo inovar, querendo fazer as coisas, mas vale a pena, no final vale a pena. Então, assim, precisa de boa vontade do governo. Coisas que eu vejo do Rossieli... eu sou um crítico de todo governo do PSDB, o Rossieli, nesse momento de pandemia, eu fico até com pena de criticar porque ta tão evidente os erros dele, né, é aquela história de chutar o…


[Julia]

O cachorro morto.


[Sérgio]

É, o cachorro morto, né. Aí eu acabo ficando com pena, falei: pô [risos], que é que o cara, né?… Óbvio, algumas coisas, pô, usa rádio, podia usar várias formas de chegar a escola para a casa dessas crianças que estão sem aula, e até mesmo para o EJA, que eu estou apenas mandando atividades para o EJA e isso é um absurdo, em pleno século vinte e um.

Então eu acho que falta sim, muito investimento, primeiro, em entregar a Educação para as pessoas que realmente manjam de educação. Nós temos aqui no estado de São Paulo, as melhores universidades do Brasil, esse corpo docente, dessas melhores universidades do Brasil, junto com os professores, poderiam fazer excelentes trabalhos. Poxa, eu fico magoado de ver, por exemplo, o governo tem um sistema que ele inventou agora, para a gente digitar nota, um sistema ruim, cara, e pagou uma grana para fazer aquilo, não poderia ter dado para os alunos da escola Politécnica fazer? Poderia, faz como que uma parceria, um estágio, põe essa molecada para trabalhar, vocês são brilhantes aí na universidade, fazem trabalhos maravilhosos. Pessoal da educação básica não poderia estar sempre em contato com o pessoal da pedagogia da Unicamp, da USP, da Unesp, da Unifesp, de todos esses centros de saberes que desenvolvem a licenciatura? Poderia, mas por que que não faz isso? Qual é o problema de engajar, não só as universidades públicas, mas as privadas, com a escola básica? Qual é o problema de fazer essa integração? Por que essa dificuldade? Se é só política, que a gente sabe que é política, né? Isso é pura política, isso é um mal caratismo enorme, um mal caratismo enorme. É negar acesso à educação.


Toca-se a melodia de transição, Amor Chiquito de Quincas Moreira.


[Julia]

Como vocês viram, Paulo Freire, de fato, teve uma atuação dentro da educação brasileiro, mesmo que não da mesma maneira que seus oponentes afirmam. O que procuramos mostrar é que, não, a educação pública no Brasil não atinge seu potencial, mas que talvez Paulo Freire não seja parte do problema, e sim da solução.


[Sofia]

No próximo episódio, vamos continuar conversando com a Lisete sobre Paulo Freire, também vamos trazer uma educadora do MOVA, Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos, que surgiu durante a gestão de Paulo Freire como secretário da Educação no município de São Paulo. Assim, pretendemos ampliar o debate sobre a polêmica em relação a Paulo Freire e à educação no Brasil.


Toca-se baixo a melodia de transição, Josefina de Quincas Moreira, em ritmo de forró.


[Julia]

Por hoje é só, pessoal. Você pode saber das nossas novidades seguindo nosso Facebook ou Instagram, é só pesquisar “Sociologia em Movimento”. Até mais!


A melodia de transição, Josefina de Quincas Moreira, em ritmo de forró, fica mais alta, e, depois, mais baixa para os créditos.


[Créditos]

Este podcast é uma iniciativa do Sociologia em Movimento, grupo de extensão da Faculdade de Educação da USP.

Orientado por Márcia Gobbi e financiado pelo Programa Unificado de Bolsas - USP.

Editado por Lucas Pintto, Ricardo Freire e Verônica Lopes.

Roteiro por Amanda Oliveira, Ana Magalhães, Edson Michio Kayaki Júnior, Gabriela da Silva Figueiredo Rocha e Verônica Lopes.


A melodia de transição, Josefina de Quincas Moreira, em ritmo de forró, fica mais alta. O áudio termina.



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