(Imagem do filme "12 Anos de Escravidão").
De acordo com Skidmore, o Brasil oitocentista era multirracial, miscigenado, diferentemente dos Estados Unidos da América que vivia em um sistema birracial (brancos e negros).
Isso acontecia porque no país sul-americano o sistema escravista se deu de forma nacional, ou seja, havia uma porcentagem significativa de povos vindos do continente africano de norte a sul do Brasil.
“Alguns” desses negros — entre muitas aspas —, mesmo antes da abolição, por meio de cartas de alforria, por exemplo, conseguiam ascender socialmente, tendo filhos que, depois, vieram a ser políticos, escritores e pessoas influentes na sociedade brasileira. Entretanto, é importante destacar que, na maioria das vezes, tratavam-se de “mulatos” (termo designado na época para os mestiços) .
Pelos mais diversos motivos, havia um ideal de embranquecimento da população e, além disso, tudo acontecia de forma fluida, primeiro porque homens brancos se relacionavam com mulheres negras, gerando mestiços, a segunda causa é que havia certa dificuldade de homens negros arrumarem parceiras, pois essas se interessavam por homens brancos devido ao estigma culturalmente aprendido de que o branco valeria mais que o preto e, em último lugar, pela má qualidade de vida, na qual muitas crianças negras não conseguiam sobreviver.
“[…] Os homens brancos geravam muitos mestiços, aumentando com isso, a proporção de proles de pele mais clara para a geração seguinte. O ideal de branqueamento, assim como sistema social tradicionalista, contribuiu para evitar que homens de pele escura tivessem muitos filhos, pois as negras, sempre que possível, tinham forte condicionamento de preferirem parceiros mais claros do que elas. Em suma, o sistema de exploração sexual que dava “licença” aos brancos, ajudou a fazer com que a realidade social coincidisse cada vez mais com o ideal de branqueamento”. (Pág. 89) — Thomas Skidmore em capítulo da obra “Preto no branco”.
Tal branqueamento permitiu com que alguns mestiços, principalmente os de pele mais clara, alterassem a estratificação social e ocupassem posições de destaque.
Nos EUA, porém, humanos miscigenados eram considerados negros, relações inter-raciais eram abominadas e existia uma forte separação entre brancos e negros (não brancos — Aqui também incluso indígenas).
Além disso, a população norte-americana se baseava em teorias “científicas” racistas, argumentando que algumas raças eram melhores que outras, colocando os brancos como superiores aos outros povos, para cometer atrocidades contra o povo negro.
Havia variações de teorias, mas a que chegou no Brasil com mais efeito foi o Darwinismo Social, que destacava que o fenótipo caucasiano era superior e mais forte, justificando como positivo o embranquecimento da população brasileira.
O escritor Lima Barreto, em suas anotações (Diário Íntimo, pp. 110–113), deixa explícito que sabe das teorias racistas desenvolvidas por americanos e europeus que estavam sendo introduzidas na época em nome da ciência.
Segundo tais “estudos”, existiam raças superiores e inferiores, e tal inferioridade era intrínseca à raça, ou seja, sem possibilidade de mudança. Ademais, as teorias racistas, defendiam que, diferentemente do pensamento brasileiro, a miscigenação seria uma espécie de vício social, uma coisa maléfica. Lima diz que se preocupa caso tal teoria saia dos gabinetes e laboratórios e “caia em cima das massas”, pois seria um pretexto para genocídios e humilhações. Ainda afirma que, sempre tiveram uma opinião preconceituosa acerca do povo negro, mas que agora estaria se tornando um conceito.
O autor, em seu diário, expressa a ideia de que não se calará, afinal é uma grande satisfação poder contestar tais ideias tão absurdas que o fazem sofrer desde a adolescência:
Logo ao final de seu escrito, percebemos um aumento no tom e certa exaltação na escolha das palavras e pontuações, dando energia por meio das exclamações ao fim de cada vocábulo, demonstrando empoderamento, dizendo que hoje pode muito e amanhã poderá ainda mais e não será a ciência europeia que dirá e ou medirá suas potencialidades.
Em “Considerações Oportunas”, Barreto conta sobre telegramas que recebera dos EUA, de Washington e Chicago, diz que neles haviam censura, pois não fora contado da chacina dos negros que havia ocorrido lá. Também é atento a tentativa dos EUA de fazer isso, pois “É preciso que a América do Sul, com suas civilizações mais ou menos escuras (Roosevelt), fique, até certo e dado dia, convencida de que aquilo não foi nada, não passando de simples conflitos sem importância”.
Em seguida, o escritor carioca volta a mostrar que não é alienado à época, pois reafirma, agora neste segundo escrito, que está vivendo na época da brutalidade, onde todas as descobertas científicas haviam sido entregues para algo ruim, para a guerra.
Cita o Doutor Nicolau Ciancio, como alguém de autoridade que reprova as execuções primárias contra negros nos EUA. Além disso, diz Barreto: “Ciancio traz sua reprovação a certos doutores que, de modo não explícito, pretendem justificar terríveis atos com suas teorias desonestas e racistas”.
Há uma grande luta e resistência por parte do autor sobre a questão racial, ele afirma que os estudos sobre raças não têm uma ideia fixa, são diferentes a depender do autor, ou seja, não têm uma observação científica confiável, servindo apenas para criar um mal-estar social, justificando condutas como o apartheid e a violência contra o povo negro.
Assim como na Turquia houve o ódio coletivo aos arménios e na Rússia aos judeus, ele diz que há um ódio coletivo aos negros nos EUA, mas reconhece também que essas ideias fazem parte de certa camada da população brasileira, sobretudo a elite branca que tem como inspiração estudiosos estadunidenses e europeus.
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