O Sociologia em Movimento está organizando encontros de estudo junto com o II Simpósio de Educação e Ciências Sociais, com o intuito de colaborar com a interdisciplinaridade da área. O autor escolhido para leitura é Paulo Freire, mas apesar do texto ser relativamente curto sabemos que a vida é muito corrida e que fica complicado conciliar as leituras de aula com leituras extra para lazer outras atividades.
Por isso escolhemos um fichamento de "Pedagogia do Oprimido", assim você pode se inteirar do assunto pra não chegar boiando no encontro. Mas se você puder ler a obra completa, sempre é melhor, tá?
Fichamento de Pedagogia do Oprimido
Baseado em:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido.
28 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
Paulo Freire é um pensador comprometido com a vida: não pensa ideias, pensa a existência. E
também educador: existência seu pensamento numa pedagogia em que o esforço totalizador
da “práxis” humana busca, na interioridade desta, retotalizar-se como “prática da liberdade”.
Por isto, a pedagogia de Paulo Freire, sendo método de alfabetização, tem como ideia
animadora toda a amplitude humana da “educação como prática da liberdade”, o que, em
regime de dominação, só se pode produzir e desenvolver na dinâmica de uma “pedagogia do
oprimido”. (p. 05)
Constatar esta preocupação implica, indiscutivelmente, em reconhecer a desumanização, não
apenas como viabilidade ontológica, mas como realidade histórica. É também, e talvez,
sobretudo, a partir desta dolorosa constatação que os homens se perguntam sobre a outra
viabilidade – a de sua humanização. (p. 16)
A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo não mais opressor;
não mais oprimido, mas homem libertando-se. Contudo, não podemos eclipsar o fato de que
essa libertação não acorre gratuitamente. (p. 17)
Pelo contrário, a realidade opressora, ao constituir-se como um quase mecanismo de absorção
dos que nela se encontram, funciona como uma força de imersão das consciências. Neste
sentido, em si mesma, esta realidade é funcionalmente domesticadora. (p. 19)
A pedagogia do oprimido que, no fundo, é a pedagogia dos homens empenhando-se na luta
por sua libertação, tem suas raízes aí. E tem que ter nos próprios oprimidos que se saibam
ou comecem criticamente a saber-se oprimidos, um dos seus sujeitos. A pedagogia do
oprimido, que busca a restauração da intersubjetividade, se apresenta como pedagogia do
Homem. (p. 22)
A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos
distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão
comprometendo-se na práxis com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a
realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos
homens em processo de permanente libertação. (p. 23)
Com efeito, os opressores vão sentir-se, agora, na nova situação, como oprimidos porque, se
antes podiam comer, vestir, calçar, educar-se, passear, ouvir Beethoven, enquanto milhões
não comiam, não calçavam, não vestiam, não estudavam nem tampouco passeavam, quanto
mais podiam ouvir Beethoven, qualquer restrição a tudo isto, em nome do direito de todos,
lhes parece uma profunda violência a seu direito de pessoa. (p. 25)
Pretender a libertação deles sem a sua reflexão no ato desta libertação é transformá-los em
objeto que se devesse salvar de um incêndio. É fazê-los cair no engodo populista e
transformá-los em massa de manobra. O diálogo critico e libertador, por isto mesmo que
supõe a ação, tem de ser feito com os oprimidos, qualquer que seja o grau em que esteja a luta
por sua libertação. Ao defendermos um permanente esforço de reflexão dos oprimidos sobre
suas condições concretas, não estamos pretendendo um jogo divertido em nível puramente
intelectual. Estamos convencidos, pelo contrário, de que a reflexão, se realmente reflexão,
conduz à prática. (p. 29)
Não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia humanizadora, em que a
liderança revolucionária, em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os
como quase “coisas”, com eles estabelece uma relação dialógica permanente. Educador e
educando (liderança e massas), co-intencionados à realidade, se encontram numa tarefa em
que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas
também no de recriar este conhecimento. (p. 31)
Quanto mais analisamos as relações educador-educandos, na escola, em qualquer de seus
níveis, (ou fora dela), parece que mais nos podemos convencer de que estas relações
apresentam um caráter especial e marcante – o de serem relações fundamentalmente
narradoras, dissertadoras. A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à
memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em
“vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Surge, portanto, uma educação
que continua conformando o educando. Quando tenta integrá-lo a uma realidade que existe
para fora dele, configura, dessa maneira, mais um instrumento de domesticação, uma vez que
ele não aprende a recontar sua realidade com seus próprios matizes, mas mimetiza tudo o que
foi memorizado. (p. 33)
A educação como prática da dominação, que vem sendo objeto desta critica, mantendo a
ingenuidade dos educandos, o que pretende em seu marco ideológico, (nem sempre percebido
por muitos dos que a realizam) é doutriná-los no sentido de sua acomodação ao mundo da
opressão. (p. 38)
Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens
se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos
cognoscíveis que, na prática “bancária”, é possuída pelo educador que os descreve ou os
deposita nos educandos passivos. (p. 39)
A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação,
implica na negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim também na
negação do mundo como uma realidade ausente dos homens. Neste modelo de educação o
diálogo é item inarredável do ato cognoscente. (p. 40)
Por isto é que esta educação, em que educadores e educandos se fazem sujeitos do seu
processo, superando o intelectualismo alienante, superando o autoritarismo do educador
“bancário”, supera também a falsa consciência do mundo. Nenhuma “ordem” opressora
suportaria que os oprimidos todos passassem a dizer: “Por quê?” (p. 43)
Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão do mundo, ou tentar impô-la a ele, mas
dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar convencidos de que a sua visão do
mundo, que se manifesta nas várias formas de sua ação, reflete a sua situação no mundo, em
que se constitui. A ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico
dessa situação. (p. 49)
Contudo, o que se pretende investigar, realmente, não são os homens, como se fossem peças
anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a sua visão do mundo, em que se encontram envolvidos seus “temas geradores”. (p. 50)
Para dominar, o dominador não tem outro caminho senão negar às massas populares a práxis
verdadeira. Negar-lhes o direito de dizer sua palavra, de pensar certo. Esse quadro existe
como condição necessária na situação de dominação, em que a elite dominadora „prescreve e
os dominados seguem as prescrições. Do mesmo modo, uma liderança revolucionária, que
não seja dialógica com as massas, ou mantém a “sombra” do dominador “dentro” de si e não é
revolucionária, ou está redondamente equivocada e, presa de uma setarização indiscutivelmente mórbida, também não é revolucionária. (p. 71)
Podem visualizar a revolução como a sua revolução privada, o que mais uma vez revela uma
das características dos oprimidos, sobre que falamos no primeiro capítulo deste ensaio. A
nossa convicção é a de que, quanto mais cedo comece o diálogo, mais revolução será. (p. 72)
O diálogo com as massas não é concessão, nem presente, nem muito menos uma tática a ser
usada, como a sloganização o é, para dominar. O diálogo, como encontro dos homens para a
“pronúncia” do mundo, é uma condição fundamental para a sua real humanização. (p. 76)
O que interessa ao poder opressor é enfraquecer as oprimidos mais do que já estão, ilhando-
os, criando e aprofundando cisões entre eles, através de uma gama variada de métodos e
processos. Desde os métodos repressivos da burocracia estatal, à sua disposição, até as formas de ação cultural por meio das quais manejam as massas populares, dando-lhes a impressão de que as ajudam. (p. 80)
A necessidade de dividir para facilitar a manutenção do estado opressor se manifesta em todas
as ações da classe dominadora. Sua interferência nos sindicatos, favorecendo a certos
“representantes” da classe dominada que, no fundo, são seus representantes, e não de seus
companheiros; a “promoção” de indivíduos que, revelando certo poder de liderança, podiam
significar ameaça e que, “promovidos”, se tornam “amaciados"; a distribuição de benesses
para uns e de dureza para outros, tudo são formas de dividir para manter a "ordem” que
lhes interessa. (p. 81)
Se, na teoria antidialógica da ação, se impõe aos dominadores, necessariamente, a divisão dos
oprimidos com que, mais facilmente, se mantém a opressão, na teoria dialógica, pelo
contrário, a liderança se obriga ao esforço incansável da união dos oprimidos entre si, e deles
com ela, para a libertação. (p. 99)
Significando a união dos oprimidos à relação solidária entre si, não importam os níveis reais
em que se encontrem como oprimidos implica esta união, indiscutivelmente, numa
consciência de classe. (p. 100)
Com efeito, descobrem que, como homens, já, não podem continuar sendo “quase coisas”
possuídas e, da consciência de si como homens oprimidos, vão à consciência de classe
oprimida. Mas para que os oprimidos se unam entre si, é preciso que cortem o cordão
umbilical, de caráter mágico e mítico, através do qual se encontram ligados ao mundo da
opressão. (p. 101)
Enquanto, na teoria da ação antidialógica, a manipulação, que serve à conquista, se impõe
como condição indispensável ao ato dominador, na teoria dialógica da ação vamos encontrar,
como que oposto antagônico, a organização das massas populares. Este testemunho constante, humilde e corajoso do exercício de uma tarefa comum – a da libertação dos homens – evita o risco dos dirigismos antidialógicos. (p. 102)
O que pretende a ação cultural dialógica, cujas características estamos acabando de analisar,
não pode ser o desaparecimento da dialeticidade permanência-mudança (o que seria
impossível, pois que tal desaparecimento implicaria no desaparecimento da estrutura social
mesma e o desta, no dos homens), mas superar as contradições antagônicas de que resulte a
libertação dos homens. (p. 104)
Isto implica em que a síntese cultural é a modalidade de ação com que, culturalmente, se fará
frente à força da própria cultura, enquanto mantenedora das estruturas em que se forma. Desta
maneira, este modo de ação cultural, como ação histórica, se apresenta como instrumento de
superação da própria cultura alienada e alienante. (p. 105)
A colocação que, em termos aproximativos, meramente introdutórios, tentamos fazer da
questão da pedagogia do oprimido, nos trouxe à análise, também aproximativa e introdutória,
da teoria da ação antidialógica, que serve à opressão e da teoria dialógica da ação, que serve à
libertação. (p. 107)
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